segunda-feira, 30 de junho de 2014

O Fim da Guerra à Gordura - Post longo

Revista Time: Terminando a guerra à gordura

30 anos depois da capa que anunciava "Colesterol: e agora, as más notícias", a Revista Time dá o braço a torcer face às evidências que se acumularam nas últimas décadas - juntamente com os milhões de mortos por diabetes, hipertensão, obesidade e infarto.

Eis a matéria na íntegra.



Coma manteiga
Os cientistas rotularam a manteiga inimiga. Eis o porque de estarem errados.

por Bryan Walsh
Infartos
Não culpe a gordura
Artérias entupidas


Obesidade
Diabetes
Colesterol alto
Por décadas, ela tem sido o nutriente mais vilificado na dieta americana. 

Mas a nova ciência revela que a gordura não é o que tem ferido nossa saúde.



O sabor da minha infância foi o sabor de leite desnatado. Nós espalhávamos margarina amarela brilhante sobre pãezinhos; comíamos mingau de aveia com pouca gordura feito no microondas, temperado com maçãs e canela; colocávamos molho sem gordura nas nossas saladas. Apenas fazíamos o que nos diziam. Em 1977, o ano anterior ao meu nascimento, um comitê do senado liderado por George McGovern publicou a sua pedra fundamental, os "Objetivos Dietários para os Estados Unidos", instigando os americanos a comer menos carnes vermelhas, ovos e laticínios, e trocá-los por mais calorias vindas de frutas, legumes e especialmente carboidratos.

Por volta de 1980, esse conhecimento foi codificado. O departamento americano de agricultura (USDA) publicou as suas diretrizes dietárias, e uma das primárias era evitar o colesterol e gorduras de todos os tipos. O Instituto Nacional de Saúde recomendavam que todos os americanos acima da idade de 2 anos diminuíssem o consumo de gordura, e naquele mesmo ano o governo anunciou os resultados de um estudo de 150 milhões de dólares, que tinha uma mensagem clara: coma menos gordura e colesterol para reduzir o seu risco de infarto.

A indústria alimentícia - e os hábitos alimentares americanos - entraram na dança. As prateleiras das lojas encheram-se de iogurtes "light", jantares congelados low-fat, biscoitos sabor queijo, biscoitos doces. Famílias como a minha seguiram o conselho: carne bovina desapareceu do prato do jantar, ovos foram trocados no café da manhã por cereais ou apenas claras, e o leite integral quase desapareceu integralmente. De 1977 a 2012, o consumo per capita dessas comidas caiu enquanto as calorias vindas dos supostamente saudáveis carboidratos aumentou - nenhuma supresa, dado que pães, cereais e macarrão estavam na base da pirâmide alimentar da USDA.

"Nós estávamos embarcando em um "vasto experimento nutricional", conforme o cético presidente da Academia Nacional de Ciências, Philip Handler, pontuou em 1980. Mas com com cerca de 1 milhão de americanos morrendo anualmente de doença cardíaca no meio dos anos 80, nós tínhamos que tentar algo.

Quase quatro décadas depois, os resultados chegaram: o experimento foi uma falha. Nós cortamos a gordura, mas quase por qualquer medição, os americanos estão mais doentes que nunca. A prevalência de diabetes tipo 2 aumentou 166% de 1980 a 2012. Quase 1 em cada 10 americanos adultos tem a doença, custando ao sistema de saúde 245 bilhões de dólares por ano, e estima-se em 86 milhões o número de pré-diabéticos. Mortes por doença cardíaca caíram - um fato que muitos especialistas atribuem a melhores sistemas de cuidados intensivos, menos tabaco e o uso generalizado de drogas que controlam o colesterol, como as estatinas - mas a doença cardiovascular continua sendo o assassino número 1 no país. Mesmo as crescentes taxas de exercícios não foram capazes de nos manter saudáveis. Mais de 1/3 do país é atualmente obesa, fazendo dos EUA um dos países mais gordos num mundo que engorda cada vez mais. "Os americanos foram orientados a cortar a gordura para perder peso e evitar a doença cardíaca", diz o Dr. David Ludwig, o diretor da Fundação Novo Equilíbrio para Prevenção da Obesidade, no Hospital Infantil de Boston. "[Mas] Há um caso assombrosamente forte que aponta pelo oposto".

Defender esse caso é controverso, apesar da evidência que o suporta. A vilificação da gordura está atualmente entranhada em nossa cultura, com a sua relação de amor/ódio à comida e a sua obsessão com o peso. Ela ajudou a remodelar vastas colheitas da agricultura, à medida que hectare após hectare de milho subsidiado foi plantado para produzir os adoçantes que agora enchem as comidas processadas. Ela mudou negócios, com o mercado dos substitutos da gordura - os ingredientes artificiais que tomam o lugar da gordura na comida empacotada - crescem 6% ao ano. Ela até mesmo mudou a maneira como falamos, ligando termos morais aos nutrientes em debates sobre colesterol "ruim" versus colesterol "bom" e gordura "boa" versus gordura "ruim".

Tudo isso significa que o conhecimento estabelecido não vai mudar silenciosamente. "Essa é uma mudança enorme de paradigma na ciência", diz o Dr. Eric Westman, diretor da Clínica de Medicina de Estilo de Vida da Universidade Duke, que trabalha com pacientes em dietas ultra low-carb. "Mas os estudos que a suportam existem".

A pesquisa que desafia a ideia de que a gordura torna as pessoas gordas e é um risco sombrio para a doença cardíaca está se acumulando. E as apostas são altas - para pesquisadores, agências de saúde pública e para o público mediano que simplesmente quer saber o que por na boca 3 vezes por dia.

Temos sabido há algum tempo que as gorduras encontradas em vegetais tais como azeitonas e em peixes como salmão podem na prática proteger contra doença cardíaca. Agora está se tornando claro que mesmo a gordura saturada encontrada em um bife mal-passado ou em uma colherada de manteiga - inimigos públicos números 1 e 2 - tem um efeito mais complexo, e em alguns casos, mais benigno no corpo do que se pensava anteriormente. A nossa demonização da gordura pode ter saído pela culatra de maneiras que estamos apenas começando a compreender. Quando os americanos cortaram as calorias da manteiga, carne e queijo, elas não desapareceram simplesmente. "O pensamento era que se as pessoas reduzissem a gordura saturada, eles a trocariam por frutas, legumes e verduras saudáveis", diz Marion Nestle, professora de nutrição, estudos alimentares e saúde pública da Universidade de Nova Iorque. "Bem isso foi ingênuo".

Novas pesquisas sugerem que é o consumo excessivo de carboidratos, açúcar e adoçantes o principal responsável pelas epidemias de obesidade e diabetes tipo 2. Carboidratos refinados - como aqueles em pão de "trigo", açúcar escondido, biscoitos low-fat e massas - causam mudanças na nossa química corporal que encorajam o corpo a armazenar as calorias como gordura e intensificam a fome, tornando muito mais difícil a perda de peso. "O argumento contra a gordura era total e completamente furado", diz o Dr. Robert Lustig, um pediatra da Universidade da Califórnia em São Francisco, e presidente do Instituto Nutrição Responsável. "Nós trocamos uma doença por outra".

O foco míope na gordura aleijou a nossa dieta e contribuiu para a maior crise de saúde que o país enfrenta. É hora de por um fim à guerra.

O Homem Gordura


Há muito somos ditos que menos caloria e mais exercícios levam à perda de peso. E queremos acreditar que a ciência é puramente uma questão de dados - que a melhor pesquisa vai sempre produzir a resposta correta. Mas às vezes a pesquisa não é páreo para uma personalidade forte. Ninguém incorpora melhor esse conceito que o Dr. Ancel Keys, o imperioso fisiologista que criou a base para a luta contra a gordura. Keys construiu sua fama durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi encarregado pelo exército de desenvolver o que se tornaria a "Ração K", os suprimentos de comida não-perecíveis carregados pelas tropas para o campo de batalha. Foi nos anos seguintes que o medo da doença cardíaca explodiu nos EUA, decorrente do infarto do presidente Dwight Eisenhower em 1955. Naquele ano, metade de todas as mortes nos EUA, eram devidas à doença cardíaca, e muitas das vítimas eram homens aparentemente saudáveis, derrubados repentinamente por um infarto. "Havia um medo enorme tomando o país", diz Nina Teicholz, autora do novo livro The Big Fat Surprise. "A epidemia de doença cardíaca parecia emergir do nada".

Keys tinha uma explicação. Ele postulou que altos níveis de colesterol - uma substância cerosa, parecida com gordura, presente em algumas comidas bem como ocorrendo naturalmente no corpo - iria entupir artérias, levando à doença cardíaca. Ele tinha uma solução também. Uma vez que a ingestão de gordura aumenta o colesterol LDL, ele raciocinou que reduzir a gordura na dieta poderia reduzir o risco de ataques cardíacaos (os níveis de colesterol LDL são considerados um marcador para doença cardíaca, enquanto o alto colesterol HDL parecer cardio-protetor). Nos anos 50 e 60, Keys procurou expor essa hipótese, viajando pelo mundo para coletar dados sobre dieta e doença cardiovascular. Seu trabalho seminal, o Estudo dos Sete Países, concluiu que as pessoas que comiam uma dieta pobre em gordura saturada tinham níveis menores de doença cardíaca. A dieta ocidental, rica em carne e laticínios, correlacionava-se com altos índices de doença cardíaca. Esse estudo ajudou Keys a chegar à capa da Time em 1961, na qual ele admoestava os americanos a reduzir as calorias vindas da gordura em suas dietas em 1/3 se eles queriam evitar doença cardíaca. Naquele mesmo ano, seguindo-se ao aviso de Keys, a Associação Americana de Cardiologia (AHA) alertou os americanos pela primeira vez a cortar a gordura saturada. "As pessoas devem conhecer os fatos", Keys disse à Time. "Então se eles querem comer até morrer, deixe-os".

O trabalho de Keys tornou-se a fundação de um corpo de ciência que implicava a gordura como grande fator de risco para a doença cardíaca. O Estudo dos Sete Países foi referenciado perto de 1 milhão de vezes. A vilificação da gordura também adentrou idéias emergentes sobre controle de peso, que focavam-se em calorias consumidas versus calorias gastas. "Todo mundo assumiu que era tudo a respeito das calorias", diz Lustig. E uma vez que a gordura contém mais calorias por grama que a proteína ou carboidratos, o pensamento era que se removêssemos a gordura, as calorias iriam junto.

Isso é o que Keys, que morreu em 2004, acreditava, e agora é o que a maioria dos americanos acredita também. Mas a pesquisa de Keys tinha problemas logo de início. Ele escolheu os seus dados a dedo, deixando de fora países como a França e a Alemanha Oriental, que tinham dietas ricas em gorduras mas índices baixos de doença cardíaca. Keys deu ênfase à ilha grega de Creta, onde quase nada de queijo e carne era consumido e as pessoas viviam até idade avançada com artérias limpas. Mas Keys visitou Creta em anos que se seguiram à Segunda Guerra, quando a ilha ainda estava se recuperando da ocupação alemã e a dieta era artificialmente magra. Ainda mais confuso, os gregos da ilha vizinha de Corfu comiam muito menos gordura saturada que Creta, e ainda assim tinham números muito mais altos de doença cardíaca. "Era altamente falho", diz o Dr. Peter Attia, presidente e diretor da Iniciativa da Ciência da Nutrição, um centro independente de pesquisa da obesidade. "O estudo não tinha o nível do trabalho epidemiológico que se faz hoje em dia".

A confiança inabalável de Keys e seu desejo de derrubar qualquer pesquisador que discordasse foi no mínimo tão importante quanto seus grandes conjuntos de dados. (Quando o bioestatístico Jacob Yerushalmy publicou um artigo em 1957 questionando a relação causal entre gordura e doença cardíaca, Keys respondeu bruscamente num impresso, afirmando que os dados de Yerushalmy eram muito ruins). O trabalho de pesquisa de keys também adentrou uma narrativa de que os americanos tinham no passado comido uma dieta largamente baseada em plantas antes de mudarem, no século XX, para refeições ricas em carne vermelha. A doença cardíaca se seguiu, como se estivéssemos sendo punidos por nossos pecados dietários.

A realidade é que números desse tipo sobre a dieta americana são raros antes do meio do século XX, e não existem antes de 1900. Registros históricos sugerem que os americanos sempre foram onívoros vorazes, esbaldando-se com a quantidade de carne de caça disponível país afora. No seu livro "Colocando a carne na mesa americana" (N.T.: tradução livre do título "Puttin meat on the american table"), o historiador Roger Horowitz conclui que o americano médio no século XIX comia entre 68 e 90kg de carne por ano - alinhado com o que comemos atualmente.

Mas a mensagem anti-gordura chegou ao público, e por volta dos anos 80 estava tão entranhada na medicina e nutrição modernas que tornou-se quase impossível desafiar o consenso. O Dr. Walter Willet, atualmente cabeça do Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard, me diz que no meio dos anos 90 ele tinha em mãos uma evidência contrária que nenhum dos principais jornais americanos de ciência iria publicar. "Havia uma crença forte de que a gordura saturada era a causa da doença cardíaca, e havia resistência a qualquer coisa que questionasse isso", diz Willet. "Acabou que a coisa tem muito mais nuances". Ele vinha coordenando um estudo epidemiológico de longo prazo que acompanhou as dietas e saúde cardíaca de mais de 40.000 homens de meia-idade. Willet descobriu que se os sujeitos substituíssem comidas ricas em gorduras saturadas por carboidratos, eles não tinham nenhuma redução em doenças cardíacas. Willet eventualmente publicou essa pesquisa no Jornal Britânico de Medicina em 1996.

Em parte por causa do trabalho de Willet, a conversa em torno da gordura começou a mudar. Descobriu-se que gorduras mono e poliinsaturadas - os tipos encontrados em alguns vegetais e peixes - eram benéficas à saúde do coração. A dieta mediterânea, rica em peixe, nozes, legumes/verduras e azeite de oliva, cresceu em popularidade. E é importante notar que a dieta mediterrânea não é pobre em gorduras. Até 40% das suas calorias vem de gorduras poli e monoinsaturadas. Hoje em dia, grupos médicos como a Clínica Mayo abraçam essa dieta para pacientes preocupados com a saúde cardíaca, e mesmo a "gordurofóbica" AHA tornou-se receptiva a ela. "Há evidência acumulando-se de que a dieta mediterrânea é uma maneira muito saudável de se comer", diz a Dra. Rose Marie Robertson, chefe de ciência da AHA.

Mas e a gordura saturada ? Aqui, o conhecimento popular tem sido mais difícil de mudar. As diretrizes dietárias da USDA de 2010 recomendam que os americanos obtenham menos de 10% das suas calorias diárias vindas da gordura saturada - o equivalente a meio bife de hambúrguer, excluindo-se o queijo, bacon e maionese que geralmente acompanham. A AHA é ainda mais estrita: americanos acima de 2 anos de idade devem limitar a ingestão de gordura saturada a menos de 7% das calorias, e os 70 milhões de americanos que se beneficiariam de baixar seus níveis de colesterol deveriam mantê-la abaixo de 6% das calorias - o equivalente a duas fatias de cheddar por dia. Alguns especialistas dizem que não estão confortáveis por deixar a gordura saturada de fora. "Quando você troca gordura saturada por poli e monoinsaturada, você diminui o LDL", diz o Dr. Robert Eckel, ex-presidente da AHA e co-autor das diretrizes recentes do grupo. "Isso é tudo o que eu preciso saber".

Mas esse não é o panorama completo. Quanto mais aprendemos sobre a gordura, mais complexos os seus efeitos no corpo aparentam ser.

A verdade sobre a gordura


A ideia de que a gordura saturada é ruim para nós faz um certo sentido instintivo, e não apenas porque nós usamos essa mesma frase para descrever a coisa oleosa que dá sabor aos nossos bifes e os quilos que carregamos em volta da cintura. Quimicamente, eles não são tão diferentes. As gorduras que correm no nosso sangue e acumulam-se nas nossas barrigas são chamadas triglicérides, e altos níveis deles foram ligados à doença cardíaca. Não é preciso muita imaginação para assumir que comer gordura nos tornaria gordos, entupiria nossas artérias e nos daria doença cardíaca. "Também soa como senso comum - você é o que você come", diz o Dr. Stephen Phinney, um bioquímico nutricional que tem estudado dietas low-carb há anos.

Mas quando os cientistas mastigam os números, a conexão entre gordura saturada e doença cardiovascular torna-se mais tênue. Em 2010, uma meta-análise - basicamente, um estudo de outros estudos - concluiu que não havia evidência significativa de que a gordura saturada esteja associada com um risco aumentado de doença cardiovascular. Esses resultados foram ecoados por noutra meta-análise publicada em março de 2014 nos Anais de Medicina Interna que abordou quase 80 estudos envolvendo mais de meio milhão de pessoas. Um time liderado pelo Dr. Rajiv Chowdhury, epidemiologista cardiovascular da Universidade de Cambridge, concluiu que a evidência atual não suporta o baixo consumo de gordura saturada ou o alto consumo de gordura poliinsaturada, que são frequentemente consideradas saudáveis para o coração. Apesar de os autores terem sido criticados pela maneira como avaliaram a evidência, eles continuam defendendo a conclusão, fazendo notar que o objetivo do seu estudo é mostrar que existe a necessidade de mais pesquisa. "A mensagem principal é que ainda há muito trabalho que precisa ser feito", diz Chowdhury.

Dado que o caso da gordura saturada era considerado encerrado há tempos, mesmo pedidos de re-examinar as evidências marcam uma mudança séria. Mas se o novo pensamento sobre a gordura saturada é surpreendente, pode ser porque nós entendemos errado o que a carne e os laticínios fazem aos nossos corpos. É uma verdade não-controversa que a gordura saturada vai aumentar os níveis de colesterol LDL, que estão associados a maiores taxas de doença cardíaca. Essa é a maior evidência biológica que condena a gordura saturada. Mas o colesterol é mais complicado que isso. A gordura saturada também aumenta os níveis do chamado bom colesterol, HDL, que remove o LDL que pode se acumular nas paredes arteriais. Aumentar tanto o HDL quanto o LDL faz da gordura saturada um "lava-jato cardíaco".

Além disso, cientistas agora sabem que há dois tipos de partículas de LDL: algumas são pequenas e densas, e outras são grandes e esponjosas. As grandes parecem ser em sua maioria inofensivas - e são os níveis dessas que ingestão de gordura aumenta. A ingestão de carboidratos, enquanto isso, parece aumentar as partículas pequenas e grudentas que agora parecem estar ligadas à doença cardíaca. "Tais observações me levaram a questionar o quão forte a evidência era pela conexão entre gordura saturada e doença cardíaca", diz o Dr. Ronald Krauss, cardiologista e pesquisador que fez trabalhos pioneiros sobre LDL. "Há um risco de que as pessoas tenham sido guiadas na direção errada ao usarem o nível de LDL ao invés das partículas de LDL como fator de risco".

É importante compreender que não há coisa tal como placebo em um estudo de dieta. Quando reduzimos os níveis de um nutriente, temos que trocá-lo por outra coisa, o que significa que os pesquisadores estão sempre estudando nutrientes em relação uns aos outros. É também importante compreender que a nova ciência não está dizendo para as pessoas dobrarem seus cheeseburguers ou misturar grandes quantidades de manteiga ao café, como fazem alguns seguidores de dietas ultra low-carb. Enquanto a gordura saturada parece ter, no pior caso, um efeito neutro na obesidade e doença cardíaca, outras formas de gordura podem ser mais benéficas. Há evidência de que os ômega-3, os tipos de gordura encontrados na linhaça e no salmão, podem proteger contra doença cardíaca. Um estudo de 2013 publicado no Jornal de Medicina da Nova Inglaterra mostrou que uma dieta rica em gorduras poli e monoinsaturadas reduz significativamente o risco de grandes eventos cardiovasculares.

E há variedade mesmo dentro da categoria da gordura saturada. Um estudo de 2012 mostrou que as gorduras dos laticínios - atualmente a fonte de onde os americanos tiram a maior parte de sua gordura saturada - parecem ser mais protetoras do que as gorduras encontradas na carne. "A maior questão aqui é comparativa", diz o Dr. Frank Hu, especialista em nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard. "Você está comparando a gordura saturada com o que ?"


Novas pesquisas sugerem que não é a gordura o que tem alimentado a epidemia de obesidade



A dieta não-antecipada


A indústria alimentícia não é nada menos que inventiva. Quando se deparou com a guerra à gordura nos anos 80, os fabricantes se adaptaram, enchendo prateleiras de supermercado com biscoitos, bolos e waffers sem gordura. O pensamento para os consumidores era simples: gordura é perigosa, e esse produto não tem gordura; logo ele deve ser saudável. Essa foi a era do SnackWell, a marca de biscoito sem gordura criada pela Nabisco em 1992, que em 2 anos tinha ultrapassado o veterano Ritz (N.T.: biscoito similar ao Salpet) como o lanche número 1 da nação. Mas sem gordura, algo tinha que ser adicionado, e os americanos acabaram fazendo uma troca perigosa. "Nós simplesmente cortamos a gordura e adicionamos uma pilha de comida-lixo de baixa gordura que aumentou a ingestão calórica", diz o Dr. David Katz, fundador do Centro de Pesquisa e Prevenção da Universidade de Yale. "Foi uma dieta de consequências não-antecipadas.

Tais consequências foram severas. Entre 1971 e 2000, o percentual de calorias vindas de carboidratos aumentou quase 15%, enquanto a parte das calorias vindas da gordura acompanhou as recomendações dos especialistas. Em 1992, a USDA recomendou até 11 porções diárias de grãos, comparadas com apenas 2 ou 3 porções de carne, ovos, castanhas, feijões e peixes combinados. Escolas pelo país baniram o leite integral, e ainda assim o leite adoçado com chocolate permanece no menu, desde que tenha pouca gordura.

A idéia aqui era em parte cortar calorias, mas os americanos acabaram comendo mais: 2586 calorias por dia em 2010, comparado com 2109 por dia em 1970. Nesse mesmo período, as calorias vindas de farinha e cereais subiram 42%, e a obesidade e diabetes tipo 2 tornaram-se verdadeiras epidemias. "É inegável que tomamos o caminho errado", diz Jeff Volek, fisiologista da Universidade de Connecticut.

Pode ser difícil de entender porque uma dieta rica em carboidratos pode levar à obesidade e diabetes. Tem a ver com a química sanguínea. Carboidratos simples, como pão e milho, podem não parecer açúcar no seu prato - mas no seu corpo, é nisso que eles são convertidos quando digeridos. "Um pão não é diferente de um pacote de balas para o seu corpo", diz o Dr. Dariush Mozaffarian, novo reitor de ciência da nutrição da Universidade Tufts.

Esses açúcares estimulam a produção de insulina, que faz com que as células de gordura entrem em modo de armazenamento agressivo, levando ao ganho de peso. Uma vez que menos calorias ficam disponíveis para o corpo, começamos a nos sentir famintos e o metabolismo começa a desacelerar em tentativa de economizar energia. Comemos mais e ganhamos mais peso, nunca nos sentindo cheios. "A fome é o prego no caixão de um programa de perda de peso", diz Westman da Universidade Duke. "Uma dieta com pouca gordura e poucas calorias, não funciona". Como esse processo se repete, nossas células tornam-se mais resistentes à insulina, o que nos faz ganhar mais peso, que apenas aumenta a resistência à insulina num ciclo vicioso. Obesidade, diabetes tipo 2, triglicérides altos e HDL baixo seguem-se - e a ingestão de gordura mal está envolvida. As calorias, no final das contas, não são criadas todas iguais. "Quando nos focamos na gordura, os carboidratos inevitavelmente aumentam", diz Ludwig, que foi co-autor de um comentário recente do Jornal da Associação Médica Americana (JAMA). "Você não daria lactose a pessoas que são intolerantes a lactose, mas ainda assim nós damos carboidratos a pessoas que são intolerantes a eles".

Dietas ultra low-carb tem entrado e saído de moda desde que o Dr. Robert Atkins começou a promover sua versão quase 50 anos atrás. (Ela nunca foi popular com a medicina convencional; a Associação Americana do Diabetes uma vez se referiu à dieta Atkins como o "pesadelo de um nutricionista"). Estudos feitos por Westman mostraram que trocar carboidratos por gorduras poderia gerenciar e mesmo reverter a diabetes. Um estudo de 2008 no Jornal de Medicina da Nova Inglaterra observou mais de 300 sujeitos que tentaram tanto dietas com pouca gordura, com pouco carboidrato e mediterrâneas, e mostrou que as pessoas nas dietas low-fat perderam menos peso que nas outras duas, sendo que ambas tinham altas concentrações de gordura. Tais resultados não são surpreendentes - estudo após estudo tem demonstrado que é muito difícil perder peso em uma dieta muito pobre em gorduras, possivelmente porque gordura e carne podem produzir uma sensação de saciedade que é difícil atingir com os carboidratos, tornando mais fácil simplesmente parar de comer.

Nem todo especialista concorda. O Dr. Dean Ornish, fundador do Instituto de Pesquisa de Medicina Preventiva, sem fins lucrativos, cuja dieta low-fat, quase vegana, reverteu bloqueio arterial em um estudo, preocupa-se com o fato de que um aumento do consumo de proteína animal possa vir com seus próprios problemas de saúde, e aponta para estudos que ligam a carne vermelha em particular, a níveis mais altos de câncer de cólon. Há também o fato desconfortável de que a carne, especialmente a bovina, tem um impacto enorme no planeta. Aproximadamente um terço da área terrestre livre de gelo é usada de uma maneira ou de outra, para criar gado. Mesmo se comer mais gordura for melhor para nós - que Ornish não acredita ser -, poderia  ter consequências ambientais sérias se levar ao aumento do consumo de carne. "Estes estudos simplesmente dizem às pessoas o que elas querem ouvir", diz Ornish. "Há uma tendência reducionista a procurar pela solução mágica".

A guerra à gordura está longe de acabar. Os hábitos do consumidor estão profundamente formados, e indústrias inteiras são baseadas em demonizar a gordura. A TV está cheia dereality shows sobre perder peso. As alas de supermercado estão cheias com lanches sem gordura. A maioria de nós ainda sente um toque de vergonha quando devoramos um bife. E publicar pesquisa científica que contradiz ou questiona o que tem sido dito sobre gordura saturada há temos, pode ser tão difícil agora quanto foi para Willet nos anos 90. Mesmo especialistas como o Dr. Hu, de Harvard, que diz que as pessoas não deviam se preocupar com a gordura total, traça a linha da exoneração total da gordura saturada: "Eu me preocupo que se as pessoas pegarem a mensagem de que a gordura saturada está ok, eles vão adotar hábitos não-saudáveis", diz. "Nós deveríamos focar na qualidade da comida, da comida de verdade".

Quase todo expert concorda que seríamos mais saudáveis se mais das nossas dietas fosse composto do que o escritor Michael Pollan chama bruscamente de "comida de verdade". O aumento assombroso da obesidade nas últimas décadas não vem apenas dos carboidratos refinados bagunçando o nosso metabolismo. Mais e mais do que comemos chega a nós projetado pela indústria alimentícia para nos fazer querer mais. Há evidência de que o processamento em si aumenta o perigo apresentado pela comida. Estudos sugerem que carne processada pode aumentar o risco de doença cardíaca de uma maneira que carne não-processada não faz.

A maneira como comemeos - se nós cozinhamos ou se pegamos fast-food - importa tanto quanto o que comemos. Então não se sinta mal sobre o creme no seu café ou as gemas nos seus ovos ou o filé ocasional com molho béarnaise se você tem o dom da culinária - mas não ache que o fim da guerra à gordura significa que você pode comer toda a comida congelada que quiser. Como Katz diz, "a verdade dura e fria é que a única maneira de comer bem é comendo bem".

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